
Muitas pessoas perguntam-me: Qual é o melhor exercício para os peitorais? Qual é o melhor exercício para glúteos, costas, pernas, braços, etc.? Qual é o melhor tipo de treino para perder massa gorda ou tonificar (para quem ainda tem dúvidas sobre isto recomendo que veja este post)? É melhor correr no início ou no fim do treino? O que devo comer antes/depois do treino? Enquanto alguns têm a resposta na ponta da língua e respondem rapidamente que é assim ou assado, eu tenho alguma dificuldade em fazer isto. Porquê? Porque existe um conjunto de variáveis importantes que é preciso considerar e analisar antes de responder a estas questões. Normalmente as minhas respostas começam por “depende” e começam assim porque normalmente depende mesmo.
Antes de chegarmos a essas variáveis e para que vejam o quão redutoras podem ser estas perguntas, vamos estabelecer algumas comparações com outros profissionais. Fazer este tipo de perguntas a um profissional do exercício ou treinador seria o mesmo que perguntar a um nutricionista qual é o melhor alimento a evitar para perder peso (pense lá no número de vezes que já ouviu a frase “isto engorda?”), perguntar a um fisioterapeuta ou a um quiroprático qual é o melhor exercício e/ou técnica para recuperar de uma lesão nas costas, perguntar a um engenheiro agrónomo qual é o melhor fertilizante para os morangos ou mesmo perguntar a um homeopata ou a um profissional de medicina funcional qual é o melhor suplemento do mercado para baixar o colesterol. De certeza que eles podem dar algumas luzes mas há um método que está por detrás destas coisas. Isto chama-se trabalho de bastidores e envolve tempo de estudo e de prática.
A Sobrecarga de Informação e os Curiosos
Se as coisas fossem assim tão fáceis e tão simplistas, não havia necessidade de termos profissionais nestas diferentes áreas, que investem o seu tempo a estudar estes processos. Aliás, o que não falta hoje em dia é informação sobre tudo e qualquer coisa, nos fóruns de discussão, nos blogs, nos grupos de apoio no Facebook, no youtube, etc. É fácil, basta escrever aquilo que se quer no Google e a partir daí encontramos informação que nunca mais acaba. No entanto, é preciso notar que esta pode ser boa ou tendenciosa, o meu conselho é que procurem por referências credíveis e que tirem as vossas próprias conclusões. Mas leiam as coisas até ao fim, não se deixem ficar pelos títulos! Inclusivamente este post.
Apesar de hoje em dia termos disponível uma biblioteca online a qualquer hora, é importante lembrar que informação e conhecimento não são exatamente sinónimos. Enquanto toda a gente pode aceder à informação de forma mais ou menos gratuita através da internet ou realizando alguns cursos de formação, o conhecimento requer estudo, método, prática no terreno, feedback constante e avaliação (no momento e durante um determinado período de tempo). É este processo de retroalimentação que confere experiência. Experiência não é fazer a mesma coisa durante 20 anos seguidos. Isso chama-se tempo perdido. O conhecimento deriva de uma combinação dos factores atrás indicados e de um investimento pessoal em melhorar a nossa intervenção todos os dias, sem vergonha de assumir erros. Alguns autores sugerem que a verdadeira aprendizagem só acontece quando nos apercebemos dos nossos erros e faz sentido que assim seja.
Portanto há que distinguir os curiosos (ou os treinadores de bancada, se quiserem) dos profissionais com formação e educação específicas nas suas áreas de intervenção. Isto com todo o respeito por aqueles que não sendo profissionais, se interessam por estas matérias. Eu tenho um particular interesse pela nutrição funcional e desportiva, debruço-me quase todos os dias sobre estas temáticas, mas ainda estou longe de me considerar um especialista nesta área. Aquilo que sei é que quanto mais souber sobre isto, mais posso ajudar-me a mim próprio e às pessoas que me procuram. O treino e a nutrição têm um efeito sinérgico. Precisamos de comer alimentos ricos em nutrientes para melhorar os processos de produção de energia a nível celular e para render mais nas atividades diárias normais e/ou no treino. Por exemplo, se estou a treinar uma pessoa que faz uma dieta com muito glúten e lacticínios (e que, por esse motivo, tem o intestino constantemente inflamado), sei que a sua capacidade de estabilizar o core e transmitir energia em alguns movimentos vai estar comprometida.
Receitas Gerais vs. Programas Individualizados
No que concerne à área do treino, a minha área profissional, o que não faltam são receitas de treino gratuitas. Há receitas para todos os gostos: para treinar abdominais em 8 minutos, para perder peso, para hipertrofia, para tonificar, para aumentar o tamanho dos bíceps, etc. Hoje em dia podemos encontrar de tudo. Basta procurar nos sites, nas revistas de fitness, no youtube, nas redes sociais e nos blogs (eu próprio sou culpado porque já dei aqui algumas). É verdade que existem algumas guidelines de carácter geral que podemos seguir, no entanto, até aqui existem divergências. Por exemplo, se ficarmos por aquilo que a ACSM recomenda em relação aos melhores métodos de treino para perda de peso, ainda estávamos na era do treino aeróbio de intensidade moderada e a contar as calorias queimadas na passadeira.

Mas o problema nem é dar a receita. Até pode ser que a receita seja suficiente para algumas pessoas. O problema é pensar que essa receita vai servir as reais necessidades de todas as pessoas sem fazer uma avaliação funcional e individualizada, em primeira instância. É fácil planificar uns exercícios para fazer numa sessão de treino. Isto qualquer um faz, basta ver uns vídeos na internet com exercícios diferentes, passar para o papel, atribuir um determinado número de séries e repetições, estabelecer uma determinada cadência e voilá, está feito o plano para essa sessão de treino. Se o seu objetivo é treinar dessa forma (sem método) nem precisa de contratar um personal trainer. O objetivo do treino é melhorar a eficiência mecânica do corpo e os padrões de ativação muscular. O objetivo do treino não é suar mais, não é fazer exercícios galáticos (exercícios vistosos baseados na arte circense e muitas vezes apelidados de “funcionais”), não é fazer exercícios pouco exigentes do ponto de vista bio-psico-sensorial (como por exemplo pedalar na bicicleta a ver as notícias). O objetivo do treino é melhorar a qualidade do movimento.
O que não é fácil é desenhar um programa de treino, com uma determinada estrutura e método, que vá de encontro às limitações, assimetrias e necessidades específicas de cada um, aferidas durante a avaliação. Isto implica avaliar a postura, isto implica saber o historial de lesões, o historial clínico, isto implica avaliar padrões de movimento básicos, isto implica saber aquilo que comem (a maior parte da energia que precisa hoje deriva dos nutrientes que comeu e armazenou ontem, anteontem e o dia antes), saber se têm intolerâncias alimentares, isto implica saber aquilo que dormem e o estilo de vida que levam, isto implica avaliar parâmetros específicos de rendimento como a força, a potência, a resistência e/ou outros, consoante o caso em questão. Até as análises clínicas podem ser relevantes neste processo. Todos nós temos problemas diferentes, por isso pensar que a receita / dose pode ser igual para todos é um erro.
Da mesma forma que os médicos olham para os diferentes marcadores sanguíneos, fazem o diagnóstico de doença e prescrevem um tratamento, nós temos a responsabilidade de olhar para os padrões de movimento fundamentais de cada indivíduo (os marcadores de movimento) com a finalidade de fazer um diagnóstico da qualidade de movimento e de predizer lesões no sistema músculo-esquelético. Só depois de fazermos isto é que estamos em condições de prescrever um “tratamento” com a dose adequada (nota do Pedro: a grande diferença é que na nossa situação, precisamos de pôr as pessoas a trabalhar, não basta tomar pastilhas).
Sendo assim, este tipo de intervenção só poderá ser realizado por profissionais certificados que investem na sua formação contínua e que estão verdadeiramente preocupados em melhorar as suas competências para ajudar as pessoas que procuram resultados diferentes. É importante que fique claro que o trabalho de um treinador competente vai para além da planificação de uma sessão de treino isolada e do tempo que ele passa a dar treino. É importante que fique claro que o trabalho de um treinador competente não se resume a contar repetições e a dar tempos de saída para os diferentes exercícios. É importante que fique claro que o trabalho de um treinador competente não é prescrever exercícios novos todos os dias, mas antes tornar as pessoas mais proficientes em menos exercícios. É importante que fique claro que o trabalho de um treinador competente tem a ver com a capacidade de analisar movimentos e de oferecer uma experiência sensorial de qualidade aos seus alunos/atletas (um exemplo: embora o bicep curl possa ser perfeitamente integrado num programa de treino funcional, existem outro tipo de movimentos que conferem mais benefícios e experiências sensorais superiores).
Aprender movimentos eficientes é diferente de Fazer movimentos.
Apesar de perceber o sentido da mensagem que se quer passar com o “Mexa-se pela sua Saúde” (e apesar de saber que a taxa de sedentarismo no nosso país é altíssima), acho que esta visão é demasiado simplista. Temos que ir um pouco mais longe e explicar às pessoas que se aquilo que pretendem é viver mais tempo e com melhor qualidade de vida, o importante é que elas se “mexam bem” para “viver melhor”.
O Treino é um Processo baseado na Ciência
O treino não se resume ao número de séries e repetições (alguém já ouviu falar no protocolo típico de 3×10 reps que parece servir para tudo?). Treinar bem não é fazer umas corridinhas de vez em quando e levantar uns pesos de forma aleatória no ginásio. Treinar bem não é tentar replicar um exercício diferente que vemos alguém, geralmente em melhor forma que nós, a fazer no ginásio. Treinar bem não é a mesma coisa que mexer o corpo sem perceber a funcionalidade desses movimentos. Treinar bem não é fazer o mesmo circuito de máquinas todas as vezes que vai ao ginásio (aliás, diga-se de passagem que isto é uma grande seca). Treinar mais também não é sinónimo de treinar bem. O que todos nós precisamos é de treinar melhor.
O treino é uma ciência e como tal todas as variáveis envolvidas no mesmo – periodização, técnica nos exercícios, seleção dos exercícios, ordem dos exercícios, número de repetições, número de séries, carga, tempo/cadência, intensidade, frequência semanal, recuperação, ângulos dos vectores de força, estabilidade/instabilidade – são determinantes para o resultado final. É o conjunto deste tipo de detalhes que faz a diferença.
Na minha opinião a qualidade tem mais valor e é a sensibilidade de cada um que, no fim das contas, vai aferir a importância que isso tem na sua vida. Portanto, se pretende atingir um objetivo que é importante para si, compensa investir na qualidade e nas competências de um profissional qualificado. Se não investir nestas duas coisas logo desde o início, é possível que, ao contratar um amador, tenha que pagar mais tarde as consequências.
Em suma, os bons profissionais vão fazer um esforço para desenhar programas de treino funcionais (tendo em conta as informações recolhidas no processo de avaliação), enquanto que os maus profissionais vão continuar a desenhar sessões de treino para manter os seus alunos/clientes entretidos. É importante estar consciente destas diferenças.
Não existem receitas rápidas, o processo de treino (e aqui importa destacar o seu valioso papel na melhoria da saúde e na prevenção de lesões / doenças) deve ser visto como um fenómeno com várias etapas, longo no tempo, integrado e multi-factorial. Mas para que possa beneficiar dos seus efeitos é preciso ser consistente. E sem consistência não há resultados espetaculares.
Até breve e bons treinos!