
Hoje entrevistamos um Campeão de Powerlifting português, que pouca gente deve ter ouvido falar. José Teixeira foi campeão europeu em 2011 (a foto acima diz respeito à homenagem que recebeu pela Câmara Municipal de Sintra), campeão nacional seis vezes, bi-campeão ibérico, tendo representado a Seleção Nacional por diversas vezes em Campeonatos da Europa e Campeonatos de Mundo.
1 – José Teixeira, obrigado por estares aqui connosco, podes contar-nos um pouco sobre ti e sobre aquilo que fazes atualmente?
Atualmente quase não tenho tempo para treinar pois passo o dia todo a trabalhar. No entanto, tenho feito um grande esforço psicológico e físico para me manter em forma.
2 – Quando é que começaste a levantar pesos e como é que te iniciaste nesta atividade?
Por via do destino. Os meus primeiros passos na musculação começaram muito cedo para a época. Quando tinha quatro anos tive que fazer exercicios musculares para as pernas, pois nasci com a perna direita torta. Possivelmente ficou o bichinho de levantar pesos e ao longo da vida fui sempre inventando exercicios de musculação em casa porque não tinha dinheiro para me inscrever num ginásio.
Foi por volta dos 19/ 20 anos que comecei a treinar no ginásio. Ao fim de um ano encontrei um ginásio que tinha powerlifting e, em 1992, fui campeão nacional junior e sénior na categoria 67,5kg com 65kg de peso (sem equipamento – porque na altura não havia nada cá) com as seguintes marcas: 160 kg agachamento, 90 kg supino e 195 kg peso morto (neste bati o recorde nacional junior que era 190 e fiz o melhor total junior). Pela primeira vez o meu treinador, o Sr. Paulino Reis, que era o homem mais forte na altura e que tinha como marcas pesando 105kg – 270 kg agachamento, 170 kg supino, 280 kg peso morto (isto sem equipamento), vira-se para mim e diz “José Teixeira tu vais ser forte” e isto concretizou-se. Até à data, com 20 anos de powerlifting no nosso país, ainda não falhei nenhum ano sem competir, sendo um caso único em Portugal.
3 – Interessante. Tens um currículo notável, já foste várias vezes Campeão Nacional, já representaste a Seleção Nacional em Campeonatos Europeus / Mundiais e, em 2011, foste Campeão Europeu de Powerlifting na República Checa. Calculo que passaste muitas horas a treinar para chegar a este nível, como te sentes hoje em relação a tudo aquilo que conquistaste?
Por incrível que pareça, passados 20 anos de competição, continuo com a mesma vontade de sempre para treinar / competir e ainda não estou mentalizado para abandonar a competição. Aliás, o meu chip está preparado psicologicamente para competir mais 10 anos. Depois, quando passar os 50, logo vejo se é viável continuar ou não (se calhar passo para o atletismo de fundo :)). Ainda sinto que posso dar um pouco mais a esta modalidade porque tenho marcas feitas em ginásio que ainda não foram executadas em prova. Quando as executar em prova sentir-me-ei realizado, independentemente de ganhar ou não a prova. Eu próprio e a minha mente somos o adversário a ultrapassar.
4 – Parece-me bem. Tiveste algum tipo de acompanhamento a nível técnico e/ou a nível nutricional durante o teu percurso profissional ou sempre treinaste por tua conta? Achas que podias ter chegado mais longe se tivesses tido mais apoio?
Durante os dois primeiros anos de competição tive apoio a nivel logístico e orientação de treino. Depois desse ginásio ter fechado, tive que me desenrascar sozinho e tornei-me num auto-didata (na altura não havia internet, dvd’s, youtube, etc.). Comecei por tirar formação técnica na área da musculação e fitness para poder evoluir como atleta mas depressa percebi que ainda não havia cá em Portugal pessoas devidamente preparadas na área do levantamento de pesos. A nível nutricional, não tive qualquer acompanhamento desde 1990 até 1999 – tomava apenas alguns batidos que ia ganhando nas provas. Depois de ter ido ao Campeonato do Mundo em 1999 em Itália com 84kg de peso, para competir na categoria dos 90kg, é que percebi que, em 30 atletas, eu era o mais magro e o mais alto. Apesar de ter feito o melhor que pude com 237,5 kg no agachamento, 150 kg no supino e 267,5 kg no peso morto, necessitava aumentar o meu peso corporal para estar mais equilibrado nos exercícios e sentir menos dores nos ligamentos passivos.
Quanto ao chegar mais longe, é óbvio que poderia ter ido bem longe nas marcas efetuadas se tivesse sido profissional. Mas, infelizmente, cá em Portugal o desporto é tratado com desprezo, tudo aquilo que alcancei nesta modalidade deriva da minha força de vontade e persistência. Felizmente (ou infelizmente), em 20 anos de competição não preciso agradecer a ninguém pelos meus feitos, a não ser ao meu amigo Paulo Rodrigues que sempre me pôs o ginásio à disposição de 1997 a 2007 (ginásio Super Corpos) e desde 2008 até 2013 (ginásio Cybergym). Passados todos estes anos continuo a treinar com a mesma garra e determinação, nasci numa vida dura e nela irei morrer com muito gosto.
5 – Já treinamos juntos e posso atestar que isso é verdade. O Powerlifting em Portugal é uma modalidade muito pouco conhecida e com poucos praticantes. Porquê que achas que isto acontece?
Eu acho que já não é assim tão desconhecida cá em Portugal só que é uma modalidade dura e, que, para serem alcançados alguns resultados de relevo, são necessários anos de treino e isso é algo que nem toda a gente está disposta a fazer (os treinos intensos, as barras em cima dos trapézios, em cima do peito, arrastar pesos de um lado para outro, etc). Do meu ponto de vista esta modalidade é só para guerreiros e atletas com grande capacidade de sofrimento e com muita tolerância à dor. Por tudo isto, não existem muitos atletas a competir, os que sobrevivem são poucos.
6 – Ok, sendo assim, o que achas que se deve fazer para dinamizar a prática desta modalidade entre os mais jovens?
É necessário fazer demonstracões, organizar torneios e competições. Algumas destas coisas estão a ser feitas mas isso não chega! É necessário ir de encontro aos futuros praticantes, promover a modalidade nas escolas, localidades e regiões ou então que alguém ligado ao corpo federativo tenha a astúcia e audácia de tentar promover a modalidade nos meios de comunicação. Este tipo de coisas nunca foram feitas ou se foram feitas, foi em proveito próprio. Hoje mais que nunca é preciso que a modalidade comece a aparecer em força. Vamos aguardar…
7 – Seria ótimo que esse tipo de iniciativas começasse a acontecer. Existe um preconceito generalizado que levantar pesos faz mal à saúde. Qual é a tua opinião em relação a isto?
Dito dessa maneira até parece ser verdade mas comprovo que não passa de um mito. Eu próprio sou prova viva que levantar pesos tirou-me de uma cadeira de rodas e, mais tarde, tirou todas as dores que tinha nas costas. Felizmente, descobri cedo a musculação (por volta dos 4 anos) devido a um problema congénito numa das minhas pernas. Depois de morosas operações, fui obrigado a usar um aparelho na perna direita com bota ortopédica que pesava 4kg. Durante 5-6 anos fiz leg extension e leg curls às toneladas, e mais uns quantos exercicios para melhorar a postura. Aos 11 anos tive a minha última consulta até aos dias de hoje. Durante a adolescência tive problemas de desenvolvimento muscular, pelo que me vi obrigado a voltar para a musculação para fortalecer a minha estrutura muscular débil. Na verdade, não podia ter feito melhor escolha, passados 23 anos de treino e 20 anos de competição, os benefícios estão à vista.
8 – Na prova em que participaste há algum tempo no Cyber Gym (e que marcou a minha estreia nestas andanças) levantaste 300 quilos no Peso Morto e ficaste à beira de ganhar mais um título. Qual é o segredo para levantar tanto peso e, agora que tens 42 anos, quais são os teus objetivos para o futuro?
Um dos segredos talvez seja treinar com a mesma dedicação e empenho em vinte anos seguidos. O outro é uma vontade enorme em superar as minhas marcas. Ao não ficar satisfeito com as marcas relizadas sinto-me obrigado a superá-las e ao fazer isto vou estabelecendo novos objetivos. É assim de esquema em esquema que ganho novo alento para os treinos. Se não fizesse competição já teria abandonado os treinos pesados porque é preciso ter um grande espírito de sacrificio, principalmente vinte e tal anos depois de ter começado a treinar. O meu próximo objetivo é estar bem no Campeonato Nacional e no Campeonato da Europa, que se realiza pela primeira vez em Portugal, no próximo mês de junho.
9 – Muito bem, se puder vou lá dar um salto para dar apoio. Tens alguma referência nesta modalidade a nível internacional que queiras destacar e porquê?
Muito sinceramente não tenho. Não tenho porque mais de 80% desses atletas têm boas condições de treino e têm vida para investir na modalidade.
10 – No outro dia reparei que levas os teus filhos contigo quando vais treinar e que um deles (com seis anos salvo erro) já levanta mais de 30 quilos. Achas que eles vão bater os teus recordes algum dia?
É verdade, o Gonçalo é um miúdo com uma energia inesgotável e com alguma habilidade motora natural. Não puxo muito por ele porque não quero que ele se farte disto, prefiro que ele descubra por si mesmo aquilo que gosta de fazer. Foi a partir de julho de 2012 que começou a fazer treino com pesos uma vez por semana (aprox. 10 a 15 minutos), o irmão só faz porque vai atrás do Gonçalo. Este, o Heitor, tem 5 anos, mas também consegue 30kg de peso morto. O Gonçalo já há mais de um mês que faz o dobro do seu peso corporal – 44kg! Não tenho dúvidas que qualquer dia vão levantar mais do que eu, tudo depende se irão continuar ou não a treinar e se vão ter garra para isso. Se pudesse escolher, preferia que eles fossem jogadores de futebol, é uma ideia velhinha mas é a mais real.
11 – Teixeira, muito obrigado por responderes a estas questões. Queres acrescentar alguma coisa? Como é que as pessoas podem saber mais informação sobre ti e sobre a tua atividade?
Nao tenho muito mais a acrescentar pois tenho uma vida super cansativa e super ocupada como sabes. Tenho também algumas ideias para o futuro mas neste momento ainda não posso revelá-las. Podem encontrar mais informação sobre mim na minha página do Facebook. De vez em quando vou colocando alguns vídeos dos meus treinos, dêem uma vista de olhos.
Nota do Pedro: O Powerlifting é uma modalidade muito pouco acarinhada em Portugal e a verdade é que temos tido vários atletas portugueses com classificações de destaque a nível internacional. Este não é um caso isolado, existem outros atletas que têm obtido resultados muito interessantes além fronteiras. Seria desejável que este tipo de notícias tivesse um maior eco na comunidade desportiva e nos próprios orgãos de comunicação social.
Até breve!