Os alongamentos estáticos antes do treino reduzem a potência e podem inclusivamente aumentar o risco de lesão. E, logo a seguir ao treino, não têm qualquer efeito em ganhos de flexibilidade.

É típico ver muitas pessoas a alongar os músculos antes de treinar como forma de aquecimento e porque possivelmente ouviram dizer que isso lhes ia ajudar a aumentar a flexibilidade e a prevenir lesões. Devo confessar que nunca percebi muito bem porque era importante ter boa flexibilidade para prevenir lesões sem ter em conta a actividade que desenvolvemos e os objetivos que temos. Fará sentido que um jogador de futebol tenha níveis de flexibilidade idênticos ao de um patinador artístico? Fará sentido ter a mesma flexibilidade do meu instrutor de yoga ou pilates se aquilo que pretendo é apenas correr ou nadar mais rápido? Será que fazer a espargata vai ajudar a melhorar o meu jogo de ténis? Eu sei que algumas destas questões podem parecer ridículas e sem fundamento mas é mesmo aí que quero chegar: Alguém sabe o que é ter boa flexibilidade? Será que é obter um bom resultado no teste Sit and Reach (para quem não conhece este é o típico teste que se costuma utilizar para medir a flexibilidade das pessoas)? Eu acho que não e como tal vamos voltar a isto um pouco mais à frente (ver beneficios flexibilidade).
A ciência tem demonstrado que fazer alongamentos estáticos antes de treinar não tem sido muito boa ideia, uma vez que podem aumentar o risco de lesão e reduzir a potência. Antes de percebermos o porquê, é importante perceber em que consistem estes alongamentos para que não restem dúvidas. Os alongamentos estáticos consistem em alongar um músculo entre 30-45 segundos e estão enfocados quase que exclusivamente sobre os tecidos moles – músculos, tendões, ligamentos, fascia e cápsula articular. Este tipo de alongamentos não requerem qualquer tipo de movimento da nossa parte para estabilizar o corpo, pelo que o único efeito que têm é aumentar a extensibilidade muscular e/ou a tolerância ao alongamento.
Pelo contrário, os alongamentos dinâmicos (apesar de não serem tão eficazes para aumentar a extensibilidade muscular) têm mais beneficios, uma vez que requerem controle motor e estabilidade durante o movimento, ao mesmo tempo que alongamos os músculos. Este tipo de alongamentos são muito mais eficazes no que diz respeito à sua utilização no período de aquecimento e acabam por ser mais funcionais para a maioria da população e dos atletas que precisam de reagir rapidamente e de realizar movimentos explosivos.
Porquê que os alongamentos estáticos aumentam o risco de lesão e reduzem a potência?
Quando alongamos desta forma durante muito tempo, estamos a reduzir as propiedades elásticas do músculo e a pôr em causa um eficaz funcionamento do ciclo de alongamento-encurtamento, que tal como o nome indica, consiste num alongamento activo (ou contracção excêntrica) seguido de um encurtamento imediato (ou contracção concêntrica). Isto significa que irá haver uma redução na taxa de produção de força e por esse motivo um decréscimo na eficiência de movimentos balísticos. Se a finalidade de realizar um aquecimento é preparar o corpo e os músculos para uma sessão de treino intensa ou para uma determinada competição, não faz sentido alongar desta forma.
Se ainda não está convencido(a), imagine alongar durante 5-10 minutos os principais músculos das pernas e, logo de seguida, fazer um sprint como o Usain Bolt. Acha que vai correr bem? Não me parece, o mais certo é que se vai magoar. Para aquecer os músculos, precisamos de realizar contracções musculares, não é possível “aquecer” os músculos alongando em posições estáticas.
Nesta imagem o Bolt já tinha efectuado uns quantos sprints para aquecer.

Mais algumas verdades sobre os alongamentos
Já vimos que os alongamentos estáticos não servem para “aquecer” e podem aumentar o risco de lesão. Vejamos mais alguns factos interessantes:
1) Os estudos sobre alongamentos mostram que estes não previnem o DOMS (Delayed Onset Muscle Soreness).
Ou seja, os alongamentos não melhoram aquela sensação de ficarmos com os músculos doridos após um treino intenso. Essa sensação tem a designação de DOMS. Não se preocupe, eu também em tempos pensava que ajudava, mas aparentemente o efeito é placebo.
2) Os estudos têm demonstrado que os alongamentos não previnem lesões.
Em 2005, o Journal Clinical of Sports Medicine publicou uma revisão das evidências científicas até ao momento, e considerou que “os alongamentos não têm nenhum efeito na redução de lesões.” Nenhum dos estudos relatou qualquer efeito na prevenção de lesões, independentemente dos alongamentos terem sido feitos em músculos individuais ou vários grupos musculares.
Outro estudo publicado em 2008 pelo American Journal of Sports Medicine revelou que “não se verificaram diferenças signficativas na incidência de lesão” para os soldados que realizaram alongamentos antes do exercício.”
3) É verdade que os alongamentos podem aumentar a flexibilidade (desde que se façam quando os músculos estão frios).
Alongar depois do treino não parece produzir ganhos de flexibilidade. Os melhores especialistas dizem que para mudar o cumprimento do tecido é preciso alongar quando os músculos estão frios para que possamos asistir a alguma deformação plástica e a um aumento da sua extensibilidade. A razão é esta: ao efectuarmos alongamentos quando os músculos estão quentes, eles depois voltam ao tamanho normal.
4) Os alongamentos estáticos antes de treinar / jogar podem comprometer o rendimento desportivo.
O rendimento é claramente comprometido pelos alongamentos estáticos, enquanto que um aquecimento dinâmico melhora a velocidade e a capacidade de salto. Um estudo recente do Journal of Strength and Conditioning Research mostrou que tanto os alongamentos estáticos como a facilitação neuromuscular proprioceptiva (mais conhecida por PNF, que consiste basicamente em alongar e contrair simultâneamente durante 6-8 segundos um determinado músculo contra um objecto resistente ou com a resistência de um treinador, para em seguida relaxar) diminuem a força máxima em cerca de 7%. Este estudo demonstrou que o grupo que realizou alongamentos no aquecimento levantou menos peso que aqueles que não realizaram alongamentos.
No rugby e no futebol foram também efectuados alguns estudos para medir a influência deste tipo de alongamentos no rendimento desportivo e verificou-se uma redução de 7 a 20% na força máxima e potência.

Afinal, quais são os beneficios de ter boa flexibilidade?
O único benefício comprovado dos alongamentos estáticos e do PNF é o aumento da amplitude de movimento, sendo que o PNF parece ter melhores resultados. Agora aquilo que precisamos de entender é que a amplitude de movimento necessária para cada indivíduo vai variar em função dos seus objetivos e das suas actividades / modalidades desportivas. Não existe uma medida standardizada de má, normal e boa flexibilidade para as pessoas, tal como existe quando estamos a medir a percentagem de massa gorda. Seria um erro pensar que obter um excelente resultado no Sit and Reach vai ajudar as pessoas a render mais e a ter menos lesões. Porquê? Porque o mais importante não é a medida de flexibilidade nesse teste (esse é apenas um indicador numa determinada posição), aquilo que é verdadeiramente importante é saber se o meu corpo está preparado para realizar um movimento equilibrado e eficiente, que requeira uma determinada amplitude de movimento. E isso envolve mais coisas que o simples alongamento do músculo ou músculos. É preciso falar de outros conceitos como estabilidade, mobilidade e controle motor, para perceber se há de facto um risco de lesão associado aos movimentos que realizamos, seja a executar um swing de golfe ou a levantar algo do chão.
A flexibilidade (que é muitas vezes tida como um importante indicador de rendimento desportivo) não está orientada à realização de movimentos, portanto, a flexibilidade por si mesma, não vai solucionar o problema. Por este motivo, considero ser preferível utilizar o termo mobilidade (extensibilidade muscular + amplitude de movimento das articulações) quando estamos a falar de movimentos. Por exemplo, no caso dos dançarinos, pode ser perigoso ter demasiada mobilidade se os mesmos não tiverem o controle motor e a estabilidade necessárias para executar um movimento. Da mesma forma, ter mobilidade a menos pode ser igualmente perigoso, já que estes não vão ser capazes de alcançar determinadas posições no espaço.
Porquê que os alongamentos estáticos não têm qualquer efeito após o treino?
Fundamentalmente, porque é que nos dizem os estudos. Já vimos acima que os alongamentos estáticos não têm qualquer efeito na prevenção de DOMS (Delayed Onset Muscle Soreness) nem na melhoria da flexibilidade quando os músculos estão quentes. E estas são, previsivelmente, as razões pelas quais a maioria das pessoas alonga no fim do treino. Em termos objetivos, isto quer dizer que fazer alongamentos logo a seguir ao treino só faz sentido se as pessoas se sentem bem a fazer isso. Não estamos a dizer que faz mal e numa fase de retorno à calma até pode fazer algum sentido, no entanto, o que parece claro é que não existem beneficios fisiológicos associados a essa prática. Agora, se as pessoas dizem que se “sentem melhor” a alongar no fim do treino, não vou ser eu que vou impedi-las de fazer isso.

Conclusão
Não existe um método de alongamento errado, o que é importante perceber é que existem momentos mais adequados que outros para realizar determinados tipos de alongamento, sejam estáticos, PNF ou dinâmicos e métodos mais adequados que outros, que variam com o tipo de população que estamos a trabalhar. De igual forma, há atletas que vão ter maiores beneficios realizando uma maior percentagem de alongamentos estáticos ou PNF e há atletas que vão ter maiores beneficios com mais alongamentos dinâmicos. Tudo depende das suas necessidades específicas – treino funcional é isto!
Desta forma, o momento de alongamento é fundamental para maximizar a resposta ao treino, o que significa que um grande método de alongamento utilizado na hora errada pode ser desastroso. Se alongarmos com o método errado, como por exemplo fazer alongamentos estáticos antes do treino de força, vamos enfraquecer os musculos temporariamente e aumentar o risco de lesão. Isto foi comprovado através de vários estudos em diferentes actividades, que vão desde o treino de força até aos aquecimentos do rugby e futebol.
Recomendações
Com base naquilo que discutimos, é importante saber como e quando alongar para maximizar o rendimento e prevenir lesões:
1) Esqueça fazer alongamentos estáticos para aquecer. Isso não é possível.
2) Se pretende melhorar a flexibilidade faça alongamentos estáticos entre 4 a 6 horas depois do treino, quando os músculos estiverem frios ou, se preferir, antes de ir dormir. Os alongamentos estáticos envolvem a activação do sistema nervoso parasimpático, pelo que vão ajudá-lo(a) a relaxar e a dormir melhor.
3) Se vai efectuar treino de força ou qualquer tipo de actividade que envolva movimentos balísticos, faça um aquecimento com alongamentos dinâmicos, porque estes vão ser os tais que vão activar o sistema nervoso simpático e as propiedades elásticas dos músculos. Se fizer alongamentos estáticos, não só vai render menos como também vai aumentar o risco de lesão.
4) Os ganhos de flexibilidade com o método PNF são superiores quando comparados com os alongamentos estáticos, portanto se precisa de ganhar flexibilidade em pouco tempo, este é o método mais adequado. Além disso, este método é mais benéfico quando se pretende melhorar a mobilidade numa determinada região do corpo antes de efectuar um agachamento (por exemplo nos flexores da anca) – isto quando o foco da sessão não é trabalhar a força máxima.
5) Os alongamentos estáticos servem apenas para aumentar a extensibilidade num determinado grupo muscular ou para aumentar a tolerância ao alongamento. Se pretende alongar antes de treinar sem comprometer o seu rendimento no treino, e partindo do principio que este é intenso, faça-o numa sessão à parte com uma margem de segurança de 4-6 horas antes do treino principal.
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Até breve.
PC
Referências
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Charles Poliquin (2012) – Stretching for Strength and Muscle Mass.
Charles Poliquin (2011) – Why you should never do static stretching before lifting weights.
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Mike Robertson (2012) – Is Static Stretching Good?
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