Já tenho referido aqui várias vezes que a força muscular tem um papel importante na prevenção de doenças, na melhoria da performance e no aumento da longevidade. Hoje sabemos que uma diminuição de força muscular, medida pela força de preensão (ou força de grip), tem sido associada com um aumento do risco de mortalidade em muitos estudos (LINK, LINK, LINK, LINK, LINK). E os resultados recentes do estudo PURE (Prospective Urban Rural Epidemiology), publicado num jornal de referência como o The Lancet, vêm reforçar esta hipótese e a importância de se olhar para este marcador com maior atenção.
O estudo PURE é um estudo longitudinal feito em 17 países de diferentes níveis económicos e sócio-culturais, que envolveu o seguimento de 139.691 participantes (81.039 mulheres e 58.652 homens entre os 35 e 70 anos) durante um período médio de quatro anos. Os participantes receberam um questionário estandardizado para recolher informação, mediu-se a pressão arterial e vários indicadores antropométricos, mediram-se os níveis de atividade física, os padrões alimentares e, no que respeita à força muscular, os participantes foram avaliados pela força de preensão através de um dinamómetro. Durante este período os investigadores mediram vários parâmetros de interesse para a saúde pública: mortalidade por todas as causas, mortalidade cardiovascular, mortalidade não-cardiovascular, enfarte do miocárdo, acidente vascular cerebral, diabetes, cancro, pneumonia, doenças respiratórias, lesões devido a quedas e fracturas. Portanto, o objetivo deste estudo foi examinar a importância da força de preensão na predição da mortalidade em países de ambientes económicos e sócio-culturais distintos.
No que concerne aos resultados, os investigadores descobriram que a força de preensão está inversamente associada com a mortalidade por todas as causas, mortalidade cardiovascular, mortalidade não-cardiovascular, enfarte do miocárdio e acidente vascular cerebral, mas os mesmos investigadores não encontraram uma associação significativa entre a força de preensão e diabetes, risco de pneumonia ou doença obstrutiva pulmonar crónica, lesão resultante de queda e fracturas. Na figura abaixo podemos verificar que os indivíduos com maior força de preensão (representados com a cor verde) tiveram uma taxa de fatalidade inferior aos indivíduos situados nos terços médio (cor vermelha) e inferior (cor azul), para enfarte do miocárdio, acidente vascular cerebral, cancro, admissão no hospital para pneumonia ou doença obstrutiva pulmonar crónica, pneumonia, queda e fractura.
Apesar destes resultados, na minha opinião, o mais interessante neste estudo foi aquilo que os investigadores fizeram face à associação significativa entre a força de preensão, a mortalidade por todas as causas, a mortalidade cardiovascular e a doença cardiovascular incidente. Neste sentido, os investigadores fizeram uma comparação da importância da força de preensão, com a pressão arterial sistólica (um marcador conhecido de mortalidade) e com os níveis de atividade física. Depois de ajustarem para estes fatores, chegaram à conclusão que, embora a pressão arterial sistólica apresente uma associação maior para a doença cardiovascular que a força de preensão, esta é um preditor mais forte de mortalidade por todas as causas que a pressão arterial sistólica e tem um valor preditivo semelhante para a mortalidade cardiovascular. Curiosamente, os níveis de atividade física foram piores preditores de mortalidade por todas as causas, de mortalidade cardiovascular e de doença cardiovascular incidente que a força de preensão e pressão arterial sistólica.
Como nota final, queria apenas referir que este é um estudo observacional (tal como aquele que deu origem à famosa teoria do colesterol), pelo que não podemos estabelecer uma relação causa-efeito. No entanto, atendendo ao facto que a maioria da população tem défice de força (porque não faz treino de força), que a população mundial está cada vez mais envelhecida, e que a principal causa de morte no Mundo são as doenças cardiovasculares, se calhar já era altura de medir também a força de preensão nas consultas médicas nos hospitais, clínicas ou outros espaços promotores de saúde, uma vez que esta é uma forma simples e barata de aferir o risco de mortalidade. É óbvio que esta está longe de ser a forma mais funcional de avaliar a força muscular mas julgo que poderia ser um bom começo para sensibilizar os profissionais de saúde (infelizmente muitos deles não dão o melhor exemplo) e os próprios doentes para esta questão. Já há muita evidência para justificar a sua utilização se o foco for realmente prevenir doenças e não “cuidar de doenças”.
Ah e antes que me perguntem quais os melhores exercícios para trabalhar a força de grip, aquilo que tenho a dizer é o seguinte: treino com barra, kettlebells e pesos livres, felizmente há muito por onde escolher :).
Até breve e bons treinos!
Referências
Leong, Darryl P et al. Prognostic value of grip strength: findings from the Prospective Urban Rural Epidemiology (PURE) study. The Lancet , Volume 386, Issue 9990, 266-273.
Ortega Francisco B, Silventoinen Karri, Tynelius Per, Rasmussen Finn. Muscular strength in male adolescents and premature death: cohort study of one million participants. BMJ 2012; 345:e7279.
Metter EJ, Talbot LA, Schrager M, Conwit R. Skeletal muscle strength as a predictor of all-cause mortality in healthy men. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2002 Oct;57(10):B359-65.
Rantanen T, Harris T, Leveille SG, Visser M, Foley D, Masaki K, Guralnik JM. Muscle strength and body mass index as long-term predictors of mortality in initially healthy men. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2000 Mar;55(3):M168-73.
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