Açúcar: será que precisamos dele?

O professor britânico John Yudkin (1910-1995) escreveu o seguinte no seu livro Pure, White and Deadly, em 1972: “Não há uma necessidade fisiológica para consumir açúcar; todas as necessidades nutricionais do ser humano podem ser salvaguardadas sem tomar uma única colher de açúcar, seja branco, castanho ou cru, por si só, ou em qualquer alimento ou bebida”. Tal como o grande Galileu, Yudkin parece que também estava demasiado à frente do seu tempo, ninguém lhe ouvia nessa altura.

A nossa dieta mudou de forma dramática nos últimos 200 anos, por altura da Revolução Industrial. Se olharmos para o gráfico abaixo, podemos verificar a evolução no consumo de açúcar ao longo deste período. Se em 1800, o consumo médio de açúcar andava à volta dos 4,5 quilos/ano, hoje podemos ver que este número subiu para mais de 60 quilos/ano!

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Não é difícil perceber a associação existente entre o consumo de açúcar e a obesidade, aliás o gráfico acima ilustra muito bem essa associação. O que é difícil perceber é como é que esta situação não foi devidamente abordada quando a USDA definiu as suas guidelines nutricionais em 1977. Na altura o enfoque foi cortar na gordura (foi por volta dos anos 80 que começaram a proliferar os alimentos low fat) e é curioso verificar que foi a partir dessa data que começou a nascer um novo mundo gordo, doente e com pouco vigor. E, desde então, a mensagem que tem sido veiculada por todo o lado, é que a gordura é a má da fita e que é preciso ter muito cuidado com ela para não sofrermos um ataque cardíaco. Já passaram 30 anos!

Nota do Pedro: Obviamente que não foi apenas o açúcar o agente causador destes danos na nossa saúde e no que à alimentação diz respeito, é preciso olhar também para o aumento no consumo de cereais, lacticínios, carnes processadas, alimentos refinados, óleos vegetais refinados, óleos hidrogenados, álcool, sal refinado, todos estes são factores importantes a ter em conta.

É curioso verificar que as mesmas pessoas que nos dizem que a gordura vai entupir as nossas artérias, não têm qualquer problema em comer pão, cereais integrais, bolachas maria e leite pasteurizado, alimentos aparentemente saudáveis para alguns nutricionistas e profissionais de saúde, mas que, por mero acaso, têm uma ação hormonal pró-inflamatória e catalisadora da glicação, um processo que acontece no nosso corpo quando existe demasiado açúcar em circulação e que vai acelerar o envelhecimento dos tecidos. Se pensarmos em termos evolucionistas, este tipo de alimentos são relativamente novos na nossa alimentação e, na verdade, não acrescentam NADA em termos funcionais – são calorias de má qualidade. Tal como as calorias, existem gorduras boas e más, não podemos continuar a meter tudo no mesmo saco!

Há algum tempo atrás, a propósito de um post que coloquei no Facebook, uma pessoa conhecida perguntava-me se era saudável beber sumo de laranja natural (cerca de 8 colheres de chá de açúcar), sabendo de antemão que a mesma era sedentária, fumava e que consumia álcool com regularidade. Eu respondi-lhe que o sumo de laranja não era o seu principal problema e ela ainda ficou a olhar para mim como se eu precisasse de ajuda psiquiátrica, já não me recordo bem das suas palavras, mas creio que ela me respondeu o seguinte: “isso é fundamentalismo, toda a gente sabe que o sumo de laranja é uma bebida saudável…”. Enfim, considerações à parte, as pessoas estão tão assustadas com esta questão das gorduras, que têm mais medo em comer ovos todos os dias, que em comer a sua torrada ao pequeno almoço e/ou ao lanche ou em beber o seu sumo de laranja “saudável”.

Não querendo me dispersar do tema deste artigo, vamos pensar um bocadinho naquilo que nos disse o Professor John Yudkin há mais de 40 anos atrás e vamos fazer o seguinte exercício, vamos olhar para um dia de dieta típico de uma pessoa comum e aferir que quantidade aproximada de açúcar (em colheres de chá) é que ela está a ingerir por dia.

1) Pequeno almoço:

1 taça de cereais com leite (6 colheres de açúcar)

1 copo de sumo de laranja natural (8 colheres de açúcar)

Total pequeno-almoço: 14 colheres de açúcar.

2) Snack meio da manhã:

1 torrada com manteiga (3 colheres de açúcar)

1 café com um pacote de açúcar (1 colher de açúcar)

Total Snack 1: 4 colheres de açúcar.

3) Almoço:

1 salada de frango com molho de maionese e ketchup (1 colher de açúcar)

1 refrigerante (10 colheres de açúcar)

1 taça de gelado (20 colheres de açúcar)

Total Almoço: 31 colheres de açúcar.

4) Snack meio da tarde:

1 fatia média de bolo (4 colheres de açúcar)

1 leite com chocolate (6 colheres de açúcar)

Total Snack 2: 10 colheres de açúcar. 

5) Jantar:

Peixe grelhado com verduras + batata cozida + água (5 colheres de açúcar)

Salada de fruta (3 colheres de açúcar)

5 bolachas (3 colheres de açúcar)

Total Jantar: 11 colheres de açúcar. 

Quantidade Total de Açúcar/dia: 70 colheres de açúcar.

A USDA, a mesma organização que vê na gordura o inimigo a abater, não recomenda a ingestão de mais que 10 colheres de açúcar por dia para um indivíduo sedentário. Se fizermos as contas do exemplo que vimos acima, podemos ver que o indivíduo em causa ingeriu cerca de 70 colheres de açúcar ao longo do dia, sete vezes mais que o recomendado, ou seja, ele já comeu açúcar suficiente para uma semana de vida!

Queria ainda fazer a seguinte observação, é importante ter em conta que a quantidade de açúcar varia em função dos próprios alimentos / marcas e da quantidade que cada um come, portanto, os totais aqui representados refletem apenas as “doses normais” de açúcar presente nos alimentos mencionados. Ou seja, estamos a falar do melhor cenário possível!

Penso que a maior parte das pessoas sabe que os bolos, gelados, bolachas e refrigerantes não oferecem grande valor nutricional a uma dieta saudável…aquilo que, eventualmente, poderiam desconhecer, era a quantidade de açúcar presente nesses alimentos. Outra questão importante a ter em conta, é que nem todos os açúcares se portam da mesma forma no nosso organismo, a frutose não é absorvida da mesma forma que a glucose e cada alimento deverá ser visto SEMPRE em função do seu perfil total de nutrientes. Eu destaquei apenas o açúcar.

Como vê, nós já consumimos açúcar sem ingerir açúcar, tudo aquilo que comemos é convertido em açúcar no sangue, portanto aquilo com que se tem que preocupar seriamente (mais do que o açúcar naturalmente presente em alimentos reais como a fruta), é com todo o açúcar adicionado na sua dieta, porque é este que vai causar inflamação crónica (o assassino silencioso) e que vai aumentar exponencialmente o risco de obesidade, diabetes tipo II, hipertensão, doença cardíaca, cancro, alzheimer, demência, parkinson, e praticamente todas as doenças da nossa “doce sociedade”.

Até breve!

Referências

Berardi, J. & Andrews, R. (2012). The Esentials of Sport and Exercise Nutrition. Certification Manual 2nd Edition. Precision Nutrition.

Yudkin, J. (1986). Pure, White and Deadly. How sugar is killing us and what we can do to stop it. Penguin Books.

12 thoughts on “Açúcar: será que precisamos dele?

  1. A respeito dos lacticínios: recomenda alguma restrição ao nível dos iogurtes? Faço desporto regularmente (4/5 vezes por semana) e como regularmente iogurte grego (natural) e recentemente aderi ao novo “Danio” da danone devido ao teor alto em proteína (quase 12g por unidade)

  2. Boas Pedro,

    Sendo assim será um erro consumir diariamente sumo de laranja natural sem qualquer adição de açúcar, tendo em atenção a alimentação que se faz durante o resto do dia? Eu como vários ovos por dia, até agora, sem qualquer alteração no colesterol, já para não falar da saciedade que dá!

    Outro ponto em que também gostava de algum esclarecimento , se possível, é que tipo de alimentos é que o Pedro aconselha para uma pessoa que quer ganhar peso com o mínimo de massa gorda. Já só como quase inteiramente carne branca, com alguma de vitela e ocasionalmente carne vermelha, como ovos diariamente, atum, sardinhas. Como legumes e fruta também todos os dias, mas se retirar o arroz ou esparguete integral da alimentação começo logo a perder peso. Que conselhos me pode dar!

    Luis
    Um abraço

    • Olá Luís,

      Para responder à primeira questão depende daquilo que come no resto de dia, se for muito ativo provavelmente não fará mal tomar um sumo de laranja de vez em quando. Em relação à segunda questão, pode aumentar o consumo de hidratos complexos (arroz branco, banana, batata, batata doce), de gorduras (azeite, manteiga de oleaginosas) e iogurte grego.

      Um abraço,
      Pedro

  3. Muito bem! Tinha hoje mesmo pensado acerca disso: as pessoas preocupam-se em não comer mais de 2 ovos por semana, mas ingerir açúcar, cereais e leite todos os dias não há crise…:)
    Continuação de um bom trabalho…

  4. Boas Pedro,
    Conheci o teu Blog através de um amigo e desde ai consulto regularmente, e vou pondo em prática os conselhos de nutrição e desporto que vais dando. Uma das minhas dúvidas é quando falas no sumo de laranja, os tradicionais feitos na liquidificadora não são ” a mesma coisa” que comer o fruto em si? Aproveitando assim todas as fibras e micronutrientes?

    Continuação de um excelente trabalho,

    Cumprimentos,

    Fernando

  5. estou diabético desde tenra idade…
    recentemente vi um estudo (não lembro o link!) de que até adoçante é inútil, então aboli quase todo o tipo de farinha e adoçante da minha dieta.
    Não senti nenhuma consequência negativa

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