
Os hidratos de carbono são importantes na nossa alimentação por duas razões principais. Primeiro, são o macronutriente que actua mais rapidamente para os processos de produção de energia. Segundo, a sua capacidade de armazenamento no corpo é bastante limitada. Quer isto dizer que devemos comer hidratos de carbono a toda a hora para não morrermos de hipoglicemia? Nem por isso. É importante perceber que enquanto a ingestão de hidratos de carbono é a forma mais rápida para a produção de energia, esta também poderá ser produzida através do metabolismo das proteínas e das gorduras. E é importante perceber também que existem hidratos de carbono de melhor qualidade que outros e, que, na minha opinião, essa qualidade faz diferença. Tal como nas proteínas e gorduras.
Neste sentido venho propor que o próximo hábito seja o seguinte: comer hidratos de carbono saudáveis. Aliás, se você está a cumprir o sexto hábito, já está a fazê-lo, isto porque as verduras são hidratos de carbono. Na verdade, tanto as verduras como as frutas são hidratos de carbono, a principal diferença desta classe de hidratos para os hidratos “convencionais” (batata, arroz, massa, pão, cereais e outros alimentos açucarados) reside na sua densidade calórica. Ou seja, neste contexto, e para facilitar a compreensão, podemos considerar de uma forma geral as verduras e frutas como hidratos de carbono não densos e os “convencionais” como hidratos de carbono densos. É por este motivo que a ingestão destes últimos deverá ser mais “controlada” e mais aplicável para quem faz algum tipo de esforço físico com frequência – uma situação que deveria ser normal (e que foi no passado) mas que infelizmente já não é.
Na verdade, os hidratos de carbono são tipicamente classificados segundo a sua estrutura química e divididos em três grupos de sacarídeos (do latim sachharum ou açúcar) com base na sua complexidade: monossacarídeos, oligossacarídeos e polissacarídeos. Os monossacarídeos são a sua forma mais simples (ex: glucose, frutose e galactose), os oligossacarídeos são compostos por um número pequeno de monossacarídeos, de 2 a 10 (os mais conhecidos são os dissacáridos maltose, sacarose, lactose), e os polissacarídeos são compostos por mais de dez monossacarídeos. Quando nos referimos a amidos, glicogénio ou fibra, estamos a falar de polissacarídeos. A glucose é o produto final do metabolismo dos hidratos de carbono e a principal fonte de energia para todos nós.
No que concerne às recomendações de hidratos de carbono diárias existentes para atletas, estas são baseadas no tipo de treino / actividade que fazem. Segundo a International Society of Sports Nutrition (ISSN), os atletas de endurance (triatletas, ciclistas, corredores e esquiadores de fundo) que treinam 90 minutos ou mais por dia a uma intensidade moderada (70-80% VO2 max.) deverão apontar para 8-10 g de hidratos de carbono / kg / dia. A investigação sugere ainda que atletas de elite que participam em actividades de alta intensidade / intermitentes como os futebolistas, basquetebolistas e jogadores de râguebi também poderão beneficiar desta dieta elevada em hidratos de carbono. Segundo a National Strength and Conditioning Association (NSCA), os atletas que participam em desportos de força, sprint ou de alguma habilidade específica precisam de aproximadamente 5-6 g de hidratos de carbono / kg / dia. Atenção que estas recomendações são para atletas de elite, cujas necessidades de hidratos de carbono são bastante superiores ao “indivíduo normal”, que passa o dia sentado e que provavelmente não faz qualquer tipo de exercício físico moderado ou vigoroso!
Outro conceito que provavelmente já estará familiarizado é o índice glicémico (IG), ou seja, a medida que um determinado alimento faz subir o nível de glucose no sangue e, consequentemente, o nível de insulina. Se está familiarizado com este conceito então com certeza que já saberá que o mesmo não terá grande utilidade quando os alimentos são consumidos de forma combinada, como acontece na maioria das vezes. Ou seja, enquanto a batata tem um índice glicémico elevado, se esta fizer parte de uma refeição equilibrada em que consome verduras e uma boa fonte de proteína e gordura, o índice glicémico global será atenuado, isto é, os outros alimentos vão ajudar a abrandar a digestão e absorção da batata. Além disso, o IG baseia-se numa quantidade estandardizada de hidratos de carbono e não numa determinada quantidade de comida.
Por este motivo, o termo carga glicémica (produto do IG e porção de hidratos de carbono consumidos) será provavelmente uma medida mais realista. Ainda assim, este termo não nos conta a história toda porque também não é o melhor preditor da resposta insulinémica na refeição, a medida que porventura terá maior correlação com a nossa saúde no longo prazo. O índice insulinémico mede a quantidade de insulina que o corpo produz em resposta aos alimentos ingeridos (que numa fase pós treino vão auxiliar na reposição do glicogénio muscular e hepático) mas não são apenas os hidratos de carbono que fazem disparar a insulina, ao contrário do que possa ter ouvido. Voltando ao exemplo da batata, este é um dos alimentos com maior índice insulinémico mas não é por esse motivo que deixa de ser uma boa escolha. A batata induz níveis de saciedade elevados e é bastante densa em termos nutricionais, muito semelhantes à batata doce.
Eu só abordei estas questões (recomendações existentes, IG, carga glicémica e índice insulinémico) para lhe dizer que não deverão ser estas medidas que devem ditar as nossas escolhas no que diz respeito aos hidratos de carbono mas sim a qualidade nutricional dos mesmos no seu todo. Neste sentido, é importante clarificar quais são realmente as fontes de hidratos de carbono saudáveis e aquelas que deve evitar ou “controlar”. Os açúcares / farinhas presentes nas bolachas, nos bolos, no pão, nas pizzas, nas sobremesas, nos cereais de pequeno almoço, nos chocolates de leite, os açúcares presentes nos refrigerantes, nos sumos de fruta, e mesmo nas famosas “bebidas energéticas”, deve consumir porque gosta (ou porque está a celebrar alguma ocasião especial) mas não porque precisa. A facilidade de aceder a estes “alimentos” hoje em dia (que são densos em calorias mas pouco densos em nutrientes) é enorme e como tal é muito fácil consumi-los em excesso. Portanto, a nossa preocupação deve ir mais além da contagem de calorias e da abordagem de controle dos macros.
Hidratos de carbono saudáveis (i.e. densos em nutrientes), podemos dividir em densos e não densos para seguir o raciocínio que utilizei acima. Os hidratos não densos serão compostos maioritariamente por verduras e frutas (ex: espinafres, tomate, cenoura, vegetais crucíferos, espargos, cebola, alho, aipo, pepino, abóbora amarela, courgette, beringela, beterraba, frutos vermelhos, romã, maçãs, laranjas, manga, papaia) – estes devem fazer parte da nossa alimentação diária. Os densos que recomendo são maioritariamente raízes e tubérculos mas também alguns cereais e pseudo-cereais, que têm um perfil nutricional interessante: batata doce, batata, inhame, mandioca, quinoa, aveia, arroz. A banana também deverá considerar um hidrato denso. Naturalmente que estes serão mais adequados para quem treina ou para quem faz alguma actividade com um dispêndio energético acima da média, se passa o seu dia sentado e não faz qualquer tipo de esforço físico (que, reforço, não é normal) é melhor ficar-se apenas pelas verduras e frutas. E com mais ênfase nas verduras que frutas se tiver gordura corporal a mais.


Tal como fizemos com o hábito da proteína e da gordura vamos utilizar a palma da mão para calcular a quantidade que precisa. Para os homens o objectivo será consumir 2-3 porções (1 porção = 1 mão em concha) de hidratos não densos por cada refeição normal; para as mulheres o objectivo será consumir 1-2 porções. No que diz respeito aos hidratos de carbono densos, para consumir na refeição pós-treino, os homens deverão ingerir 2 porções e as mulheres 1 porção. É isso mesmo, para ter direito aos hidratos densos precisa de treinar e quanto maior o dispêndio energético associado maior será a sua necessidade (e tolerância) para estes alimentos.
Nota: nas fotos acima está apresentado o exemplo dos hidratos de carbono não densos.
Em conclusão, os hidratos de carbono saudáveis (que são absorvidos e digeridos mais lentamente) são os mais importantes a incluir na sua alimentação diária já que os mesmos vão proporcionar uma dieta mais rica em micronutrientes (vitaminas, minerais e fitoquímicos), um maior consumo de fibra, um aumento da saciedade e um aumento do efeito térmico dos alimentos. A sua ingestão diária tem vários benefícios na prevenção / controle de doenças metabólicas, no controle dos níveis de açúcar no sangue, nas concentrações de insulina, nos seus níveis de energia / vitalidade e na melhoria da sua composição corporal e performance.
Boa sorte com o sétimo hábito e até breve!
Pedro Correia
Referências:
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