Alimentação em Perspetiva

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Nota Prévia: O texto que partilho abaixo é da autoria do Pedro Pinto. O Pedro é Licenciado em Desporto e Atividade Física (ESEV) com Pós-Graduação em Treino Personalizado (MANZ), fez o Curso de Especialização em Nutrição Desportiva (WellXProSchool) e é Licenciado em Enfermagem (ESSV). Ele partilhou este texto comigo e eu achei pertinente partilhar esta sua reflexão aqui no blogue. Vale a pena a leitura 🙂

Há uns meses escrevi um artigo para um blogue internacional, no sentido de expôr parte da minha visão face à problemática da alimentação, emagrecimento e suas repercussões.

Dado que o objetivo seria elucidar as pessoas com menos conhecimento na área, optei por utilizar uma linguagem simples, sem grandes terminologias técnicas e científicas para, desta forma, conseguir esclarecer o maior número de pessoas possível.

Saliento o facto de ter escrito inicialmente em inglês, sendo a presente versão um análogo traduzido.

Quando o objetivo primário se centra na perda de peso (preferencialmente através da redução da massa gorda, como é evidente), não é a componente qualitativa (o quê) do que ingerimos que assume o papel decisivo. Por outras palavras, ao analisarmos o balanço calórico diário/semanal/mensal, comer uma quantidade infindável de vegetais ou “meia dúzia” de gelados não trará resultados significativamente diferentes, desde que a ingestão calórica seja inferior ao dispêndio.

Resumindo, se o total de calorias que gastamos nas mais diversas atividades, desde o simples acordar, ao pensar, ao respirar, ao andar, ao correr, ao estar vivo, entre muitas outras, for superior ao total calórico que ingerimos através da alimentação, perdemos peso.

Na verdade, e em última análise, trata-se de matemática pura. Se ingerirmos 2000 calorias e gastarmos 2500 (é importante realçar a necessidade de o fazer com frequência e não enquanto ato isolado ou dia único), perderemos peso.

Por outro lado, se a ingestão for de 3000 calorias e o dispêndio corresponder somente a 2000, acontecerá precisamente o contrário e o peso aumentará.

(Reforço que estamos a analisar este tema numa perspetiva de ganho/perda de peso e não no âmbito da maximização dos níveis de saúde a médio/longo prazo. Aqui, o cenário é significativamente diferente.)

(Saliento também que em indivíduos onde possam existir disfunções hormonais severas, esta “matemática” não se aplica de igual modo.)

Posto isto, conclui-se então que “comer porcarias” não é o problema maior (considerando somente o peso e a composição corporal e não a saúde a médio/longo prazo, mais uma vez) se contemplarmos uma contagem daquilo que ingerimos e, no final das nossas contas, essa contagem for inferior ao total calórico daquilo que despendemos/gastamos. Internacionalmente, a sigla IIFYM (If It Fit Your Macros) é amplamente utilizada nestes contextos. Em sinopse, e explanando sucintamente o conceito, após o cálculo das nossas necessidades calóricas (utilizando determinadas fórmulas e tendo em conta outros aspetos como, por exemplo, o nível de atividade física), vamos obter um valor energético final (ex.: 2550 calorias) que corresponderá, grosso modo, ao nosso gasto (habitualmente diário). Se, numa base diária, o que ingerirmos (a nível e macronutrientes) for equivalente a 2550 calorias, manteremos o peso. Se for superior, aumentaremos e, por fim, se for inferior, diminuiremos o número da balança! São vulgarmente utilizados programas informáticos de contagem de calorias, bem como fórmulas de predição da taxa metabólica basal sendo que, no fundo, e em concordância com o até aqui apresentado, IIFYM that’s ok!

A grande questão que a esta altura pode estar no ar (e é perfeitamente normal e pertinente que esteja) é: “Bem, se assim é, podemos comer tudo aquilo que quisermos, desde que aquilo que comamos não ultrapasse o gasto, certo?!” Ao que respondo… Nim! (Aquela mistura de sim e não). Esclarecendo…

1. Os contadores de macronutrientes (aqueles programas informáticos de que falava há pouco) e as fórmulas preditivas da taxa metabólica basal não são 100% fiáveis/exatos. Na verdade, eles têm uma margem de erro que pode ir até aos 30%;

2. Mesmo que estes contadores e fórmulas fossem inequivocamente exatos, é impensável (e temos que ser realistas) que alguém passe uma vida a contar calorias e a fazer contas. É, no mínimo, inconveniente e antissocial;

3. Falamos, mais uma vez, de corpo e composição corporal e não de saúde nos seus níveis ótimos;

4. Comer “porcarias a toda a hora”, quando devidamente contabilizadas, poderá de facto, permitir a perda de peso (não esquecendo nunca que o total ingerido deve ser inferior ao total dispendido/gasto). No entanto, comer este tipo de alimentos fará com que sintamos fome constantemente, sem que experienciemos a sensação de saciedade após e entre refeições;

5. Vamos, obviamente, assistir a alterações corporais (tendencialmente positivas) quando o total ingerido (em calorias) for inferior ao gasto. Mas é importante perceber que isto não é necessariamente sinal/sinónimo de saúde.

6. Futuramente, vamos sentir-nos literalmente fartos(as) e até deprimidos(as) pelo modo de vida que acabámos por escolher (contar calorias e pensar somente no exterior, no visível). Deste modo, muito provavelmente (estou a ser simpático quando digo “provavelmente”), vamos acabar por desistir;

7. Ao desistir, e dado que o quotidiano foi baseado no resultado e nunca no processo, o mundo, na conceção pessoal de cada um, vai simplesmente desmoronar! Isto porque vamos acabar por sentirmo-nos culpados(as) por não conseguir dar continuidade a tanto esforço; vamos sentirmo-nos deprimidos(as) e emocionalmente fracos(as) por não termos conseguido; vamos sentirmo-nos miseravelmente mal!

Acaba, no fundo, por ser uma opção de vida, um caminho a escolher.

Resumindo, e colocando aqui uma situação hipotética, se, por um lado, optarmos por um padrão de “comer porcarias” e, a determinado momento da nossa vida acharmos que está na altura de perder uns quilos, preparemo-nos para um desafio árduo, de bastante sacrifício e até de algum sofrimento, pela necessidade de recuperação metabólica e hormonal que até aqui “desvalorizámos” (ainda que, muitas vezes, inconscientemente). “Mas porquê?!” Perguntarão vocês… “Não bastará comer menos e gastar mais?!” Vejamos…

(Só para que não existam dúvidas, quando me refiro a “comer porcarias” falo especificamente de: gelados, donuts, pizzas, os tradicionais e apetitosos hambúrgueres do McDonald’s e todos os seus extras, chocolates de leite, refrigerantes, enfim… acredito que adivinhem e conheçam o resto.)

Respondendo, o grande problema prende-se, então, com o seguinte fenómeno: “Comer porcarias” não promove saciedade! Por ser verdade, consequentemente e involuntariamente, vamos comer mais do que aquilo que gastamos.

Estes alimentos são especificamente concebidos para estimular determinadas áreas do cérebro com o objetivo de promover sensações de prazer e bem-estar. Assim, quanto mais comemos, mais queremos comer! É praticamente inevitável.

Não estamos a comer porque temos fome, mas sim porque adquirimos uma espécie de vício, de necessidade. Estamos a comer de uma forma emocional, no sentido de promover e potenciar um bem-estar psicológico. Em adição, é importante referir que estes alimentos são extremamente densos sob o ponto de vista calórico (o que significa que possuem uma grande quantidade de calorias numa pequena porção de alimento) e extremamente pobres sob o ponto de vista nutricional. Consequências? Bem, vamos acabar por ingerir uma quantidade industrial de comida (e muito provavelmente ganhar bastante peso/gordura) e ainda assim, continuar malnutridos (o teor de vitaminas e minerais da maior parte dos alimentos processados é praticamente negligente).

Por outro lado, se o nosso estilo alimentar se basear sempre numa postura de “comer limpo” (comida de verdade; comida não processada ou com processamento mínimo) a eventual transição para uma dieta ligeiramente hipocalórica (se necessária), no sentido de perder “aqueles quilos”, não será tão agressiva e lidaremos com a situação de uma forma bem mais fácil e tolerável. Reconheceremos, de alguma forma, quando é que estamos a precisar de um pouco mais de alimento (no caso, por exemplo, da prática de exercício) ou, por outro lado, quando é que já não necessitamos de comer mais. Aprendemos, no fundo, a “dar ouvidos” ao nosso corpo e às suas necessidades. Tudo isto sem contar calorias, sem stress adicional!

Mas como é que tudo isto acontece? Por que razão é que se “se comermos porcarias” não conseguimos parar nem reduzir o consumo de determinado tipo de alimentos e, ao invés, se nos habituarmos a comer comida de verdade, conseguimos perceber as necessidades do corpo?

Vamos tentar desvendar o “segredo”.

Ao adotarmos um padrão alimentar “limpo”, com comida de verdade, isenta de processamentos ou minimamente processada, estaremos certamente bem nutridos fazendo com que, a nível hormonal, estejamos sempre regulados e sincronizados. Infelizmente, se o padrão se basear na “ingestão de porcarias”, esta homeostasia hormonal dificilmente ocorrerá. As hormonas (incluindo as responsáveis por nos potenciar a fome e os desejos alimentares) estarão completamente desequilibradas e o nosso corpo estará constantemente sob tensão e stress no sentido de compensar todo esse desequilíbrio.

Em jeito de conclusão (parabéns aos que chegaram até aqui), é importante que deixemos de nos focar no peso e nos centremos na questão da saúde a médio/longo prazo. Podemos vivenciar 2 cenários em que pesamos 70 quilos onde, num deles, estamos perfeitamente equilibrados e mantemos o peso sem grandes esforços e noutro, estamos completamente desregulados e, mais tarde ou mais cedo, acabaremos por colapsar e desistir, culminando num resultado desastroso.

O peso e a composição corporal deverão ser entendidos como um reflexo externo de um ambiente e funcionamento interno! Sejamos inteligentes! Tenhamos a prudência e a perspicácia de agir na causa e não no sintoma.

Pedro Pinto

E-mail: pedro.savvy@gmail.com

FED UP – Documentário sobre Obesidade

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Hoje partilho convosco (de forma gratuita) o documentário FED UP, um documentário sobre a obesidade que retrata muito bem que o problema principal que vivemos hoje em dia não é o excesso de calorias, nem a falta de força de vontade das pessoas que estão doentes, mas antes a forma como a indústria de junk food nos tenta manipular todos os dias, com a triste conivência das associações/responsáveis governamentais. 

Se não tiverem tempo para ver o documentário na íntegra neste momento, podem ver aqui o trailer oficial e ver o filme mais tarde. 

Todos aqueles que já são pais e/ou que pretendem ser pais e que zelam e/ou pretendem zelar pela saúde dos seus filhos deveriam ver este filme. 

Ou seja, o problema não é o excesso de calorias, o problema é o excesso de calorias de má qualidade que estão disponíveis em demasiados “produtos alimentares”.

Ver aqui: FED UP.

Gostava de saber os vossos comentários.

Até breve!

Açúcar: será que precisamos dele?

O professor britânico John Yudkin (1910-1995) escreveu o seguinte no seu livro Pure, White and Deadly, em 1972: “Não há uma necessidade fisiológica para consumir açúcar; todas as necessidades nutricionais do ser humano podem ser salvaguardadas sem tomar uma única colher de açúcar, seja branco, castanho ou cru, por si só, ou em qualquer alimento ou bebida”. Tal como o grande Galileu, Yudkin parece que também estava demasiado à frente do seu tempo, ninguém lhe ouvia nessa altura.

A nossa dieta mudou de forma dramática nos últimos 200 anos, por altura da Revolução Industrial. Se olharmos para o gráfico abaixo, podemos verificar a evolução no consumo de açúcar ao longo deste período. Se em 1800, o consumo médio de açúcar andava à volta dos 4,5 quilos/ano, hoje podemos ver que este número subiu para mais de 60 quilos/ano!

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Não é difícil perceber a associação existente entre o consumo de açúcar e a obesidade, aliás o gráfico acima ilustra muito bem essa associação. O que é difícil perceber é como é que esta situação não foi devidamente abordada quando a USDA definiu as suas guidelines nutricionais em 1977. Na altura o enfoque foi cortar na gordura (foi por volta dos anos 80 que começaram a proliferar os alimentos low fat) e é curioso verificar que foi a partir dessa data que começou a nascer um novo mundo gordo, doente e com pouco vigor. E, desde então, a mensagem que tem sido veiculada por todo o lado, é que a gordura é a má da fita e que é preciso ter muito cuidado com ela para não sofrermos um ataque cardíaco. Já passaram 30 anos!

Nota do Pedro: Obviamente que não foi apenas o açúcar o agente causador destes danos na nossa saúde e no que à alimentação diz respeito, é preciso olhar também para o aumento no consumo de cereais, lacticínios, carnes processadas, alimentos refinados, óleos vegetais refinados, óleos hidrogenados, álcool, sal refinado, todos estes são factores importantes a ter em conta.

É curioso verificar que as mesmas pessoas que nos dizem que a gordura vai entupir as nossas artérias, não têm qualquer problema em comer pão, cereais integrais, bolachas maria e leite pasteurizado, alimentos aparentemente saudáveis para alguns nutricionistas e profissionais de saúde, mas que, por mero acaso, têm uma ação hormonal pró-inflamatória e catalisadora da glicação, um processo que acontece no nosso corpo quando existe demasiado açúcar em circulação e que vai acelerar o envelhecimento dos tecidos. Se pensarmos em termos evolucionistas, este tipo de alimentos são relativamente novos na nossa alimentação e, na verdade, não acrescentam NADA em termos funcionais – são calorias de má qualidade. Tal como as calorias, existem gorduras boas e más, não podemos continuar a meter tudo no mesmo saco!

Há algum tempo atrás, a propósito de um post que coloquei no Facebook, uma pessoa conhecida perguntava-me se era saudável beber sumo de laranja natural (cerca de 8 colheres de chá de açúcar), sabendo de antemão que a mesma era sedentária, fumava e que consumia álcool com regularidade. Eu respondi-lhe que o sumo de laranja não era o seu principal problema e ela ainda ficou a olhar para mim como se eu precisasse de ajuda psiquiátrica, já não me recordo bem das suas palavras, mas creio que ela me respondeu o seguinte: “isso é fundamentalismo, toda a gente sabe que o sumo de laranja é uma bebida saudável…”. Enfim, considerações à parte, as pessoas estão tão assustadas com esta questão das gorduras, que têm mais medo em comer ovos todos os dias, que em comer a sua torrada ao pequeno almoço e/ou ao lanche ou em beber o seu sumo de laranja “saudável”.

Não querendo me dispersar do tema deste artigo, vamos pensar um bocadinho naquilo que nos disse o Professor John Yudkin há mais de 40 anos atrás e vamos fazer o seguinte exercício, vamos olhar para um dia de dieta típico de uma pessoa comum e aferir que quantidade aproximada de açúcar (em colheres de chá) é que ela está a ingerir por dia.

1) Pequeno almoço:

1 taça de cereais com leite (6 colheres de açúcar)

1 copo de sumo de laranja natural (8 colheres de açúcar)

Total pequeno-almoço: 14 colheres de açúcar.

2) Snack meio da manhã:

1 torrada com manteiga (3 colheres de açúcar)

1 café com um pacote de açúcar (1 colher de açúcar)

Total Snack 1: 4 colheres de açúcar.

3) Almoço:

1 salada de frango com molho de maionese e ketchup (1 colher de açúcar)

1 refrigerante (10 colheres de açúcar)

1 taça de gelado (20 colheres de açúcar)

Total Almoço: 31 colheres de açúcar.

4) Snack meio da tarde:

1 fatia média de bolo (4 colheres de açúcar)

1 leite com chocolate (6 colheres de açúcar)

Total Snack 2: 10 colheres de açúcar. 

5) Jantar:

Peixe grelhado com verduras + batata cozida + água (5 colheres de açúcar)

Salada de fruta (3 colheres de açúcar)

5 bolachas (3 colheres de açúcar)

Total Jantar: 11 colheres de açúcar. 

Quantidade Total de Açúcar/dia: 70 colheres de açúcar.

A USDA, a mesma organização que vê na gordura o inimigo a abater, não recomenda a ingestão de mais que 10 colheres de açúcar por dia para um indivíduo sedentário. Se fizermos as contas do exemplo que vimos acima, podemos ver que o indivíduo em causa ingeriu cerca de 70 colheres de açúcar ao longo do dia, sete vezes mais que o recomendado, ou seja, ele já comeu açúcar suficiente para uma semana de vida!

Queria ainda fazer a seguinte observação, é importante ter em conta que a quantidade de açúcar varia em função dos próprios alimentos / marcas e da quantidade que cada um come, portanto, os totais aqui representados refletem apenas as “doses normais” de açúcar presente nos alimentos mencionados. Ou seja, estamos a falar do melhor cenário possível!

Penso que a maior parte das pessoas sabe que os bolos, gelados, bolachas e refrigerantes não oferecem grande valor nutricional a uma dieta saudável…aquilo que, eventualmente, poderiam desconhecer, era a quantidade de açúcar presente nesses alimentos. Outra questão importante a ter em conta, é que nem todos os açúcares se portam da mesma forma no nosso organismo, a frutose não é absorvida da mesma forma que a glucose e cada alimento deverá ser visto SEMPRE em função do seu perfil total de nutrientes. Eu destaquei apenas o açúcar.

Como vê, nós já consumimos açúcar sem ingerir açúcar, tudo aquilo que comemos é convertido em açúcar no sangue, portanto aquilo com que se tem que preocupar seriamente (mais do que o açúcar naturalmente presente em alimentos reais como a fruta), é com todo o açúcar adicionado na sua dieta, porque é este que vai causar inflamação crónica (o assassino silencioso) e que vai aumentar exponencialmente o risco de obesidade, diabetes tipo II, hipertensão, doença cardíaca, cancro, alzheimer, demência, parkinson, e praticamente todas as doenças da nossa “doce sociedade”.

Até breve!

Referências

Berardi, J. & Andrews, R. (2012). The Esentials of Sport and Exercise Nutrition. Certification Manual 2nd Edition. Precision Nutrition.

Yudkin, J. (1986). Pure, White and Deadly. How sugar is killing us and what we can do to stop it. Penguin Books.